Privatizações em MG e dívida com a União: como Zema e ALMG tentam ajustar finanças do estado abrindo mão de empresas públicas
25/10/2025
(Foto: Reprodução) Privatizações em MG e dívida com a União: como Zema e ALMG tentam ajustar finanças do esta
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou na madrugada desta sexta-feira (24), em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/23, que retira a obrigatoriedade de consulta pública para a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Articulada pelo governo de Romeu Zema (Novo), a medida é um passo decisivo para facilitar a venda da empresa e está diretamente ligada ao plano de ajuste fiscal do estado e de redução da máquina pública.
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Para um especialista ouvido pelo g1 (leia mais abaixo), a medida é também parte de uma necessidade pessoal do governador de mostrar que está alinhado com pautas liberais. Em agosto, Zema se lançou pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2026.
A PEC ainda precisa passar por uma segunda votação para ser promulgada, mas já representa uma vitória política para Zema. O governador tenta viabilizar a privatização das estatais como forma de reduzir a dívida de Minas Gerais com a União — atualmente estimada em mais de R$ 173,8 bilhões.
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A oposição, no entanto, critica a proposta, dizendo que a primeira votação ocorreu "na calada da noite" e revela "oportunismo" do governo do estado no processo legislativo.
Entenda o plano de cessão de estatais para ajustar as finanças de MG a partir dos seguintes pontos:
Como Minas acumulou tantas dívidas
Federalização e venda de estatais como estratégia
Governo Zema defende privatizações
Críticas da oposição
O que muda com a PEC e quais são os próximos passos
Assembleia retoma discussão da PEC da Copasa na próxima semana
Como Minas acumulou tantas dívidas
A dívida de Minas Gerais com o governo federal é uma das maiores entre os estados brasileiros. Segundo o Tesouro Nacional, o valor ultrapassa R$ 173,8 bilhões, resultado de décadas de empréstimos, renegociações e inadimplência.
De acordo com a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz-MG), oficialmente, o débito tem origem na lei federal 9.496 de 1997. Naquele ano, a União assumiu as dívidas contraídas pelo estado com a extinção ou privatização de bancos estatais, como MinasCaixa, Bemge e Credireal, e com a emissão de títulos públicos.
No entanto, o sistema de refinanciamento proposto se revelou "estruturalmente problemático" com o passar do tempo. Em 2018, durante a gestão de Fernando Pimentel (PT), MG conseguiu uma liminar no STF para deixar de pagar parcelas da dívida, que, desde então, acumula encargos e juros.
Em dezembro de 2024, o Senado aprovou o Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). O mecanismo permite aos entes federativos quitar até 20% dos débitos com o governo federal mediante a entrega de ativos - ou seja, bens que têm valor econômico, como empresas estatais, ações e imóveis - e participações societárias.
Minas Gerais foi um dos primeiros estados a aderir à iniciativa e vem acelerando medidas para transferir estatais à União ou vendê-las ao setor privado.
Federalização e venda de estatais como estratégia
Em julho de 2025, o governador sancionou as leis que autorizam a transferência da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) e da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) para a União.
O próximo passo para dar continuidade ao processo é a avaliação do valor de mercado das empresas, que será feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a partir de 2026.
Em outubro de 2025, a ALMG também aprovou, em primeiro turno, a transferência de parte da Minas Gerais Participações S.A. (MGI) para o governo federal. A estatal é responsável pela gestão de convênios e pela venda de imóveis ligados à administração pública. O projeto ainda precisa ser analisado pelas comissões e votado novamente antes de seguir para sanção do governador.
A expectativa é que as federalizações ajudem a abater parte da dívida com a União sem a necessidade de desembolso imediato por parte do estado.
Paralelamente, o governo Zema intensificou a articulação para privatizar diretamente empresas como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Copasa.
A PEC aprovada nesta semana elimina a exigência de referendo popular no caso da Copasa, o que antes era um obstáculo político para a venda dela à iniciativa privada.
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Copasa/Divulgação
Governo Zema defende privatizações
Desde a campanha eleitoral de 2022, Romeu Zema tem defendido abertamente a privatização das estatais mineiras.
Em entrevista ao g1, o governador havia afirmado: "Hoje, o controlador tanto da Copasa quanto da Cemig é um estado que ainda enfrenta seríssimas dificuldades financeiras [...]. Precisamos ter à frente dessas empresas um acionista que coloque bilhões e bilhões, que vai gerar empregos para o estado e tirar essas empresas da mão da politicagem".
Durante a votação da PEC, deputados governistas sustentaram que privatizar a Copasa seria necessário para pagar a dívida com a União.
"Nós temos que reunir aproximadamente R$ 35 bilhões para fazer o abatimento desses 20% do Propag. A Codemig pode valer entre R$ 25 e R$ 35 bilhões, só que essa aferição só vai acontecer em meados do ano que vem", disse o deputado estadual Cássio Soares (PSD), líder do Bloco Minas em Frente.
"Nós temos que dar condições para que o estado possa aderir ao Propag com os 20% e retomar assim essa renegociação e a capacidade de investimento em serviços públicos", defendeu Soares.
Para o cientista político Rudá Ricci, doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as eventuais privatizações durante a gestão Zema também estão ligadas à necessidade do governador de marcar um posicionamento político alinhado com pautas mais liberais.
"Eu não acho que, de fato, essa história da Copasa seja muito além de tentar ter um respiro e aparecer como governador alinhado com visões mais liberais e ultraliberais, trabalhando com uma espécie de legado. Nas eleições de 2026, ele não poderá ser mais governador e, até o momento, tem pouca chance no cenário nacional para ser presidente ou vice", disse Ricci.
Crítica da oposição
PEC ainda precisa passar por votação em 2º turno para ser aprovada definitivamente.
William Dias - ALMG
A proposta de privatização, no entanto, enfrenta resistência de sindicatos, servidores e parte da oposição na ALMG. Críticos apontam que a venda das estatais pode comprometer serviços essenciais, como energia e saneamento, além de reduzir o patrimônio público.
Deputados do bloco Democracia e Luta na ALMG cobram mais clareza sobre os termos das negociações e os impactos reais para a população. Há também questionamentos sobre o uso político da pauta, já que a aceleração das privatizações é vista como parte da estratégia de Zema para tentar projetar seu nome nacionalmente.
"Nós queremos provar para a sociedade que esse oportunismo do governo Zema em usar do Propag, que é uma grande bandeira nossa de solução para a dívida do estado, não precisa da privatização das empresas e, principalmente, atropelar um direito constitucional da sociedade de ser ouvida", disse o deputado estadual Ulysses Gomes (PT), líder da oposição.
"Esse primeiro turno [de votação da PEC], apesar de uma primeira derrota [para a oposição], ou o governo dizer que é uma primeira vitória, pode ser um grande passo para envolver ainda mais a população num tema crucial que é exatamente o direito de ela ser ouvida", completou.
A transação envolvendo a Codemig e outros ativos estratégicos também foi alvo de críticas por uma suposta "falta de transparência". Documentos relacionados à empresa foram mantidos sob sigilo pelo governo, o que gerou reprovação de parlamentares da oposição.
O que muda com a PEC e quais são os próximos passos
Com a aprovação da PEC 24/23 em primeiro turno, o governo Zema ganha mais liberdade para negociar a venda da Copasa sem precisar consultar a população.
A proposta ainda tem que passar por uma segunda votação na ALMG, mas a base aliada do governador já demonstrou força suficiente para garantir a aprovação final. A PEC deve voltar a ser discutida pelos deputados na próxima semana.
A proposição teve 52 votos a favor e 18 contra — eram necessários, no mínimo, 48 favoráveis, porque ela altera a Constituição do Estado de Minas Gerais. Originalmente, o texto visava retirar a exigência de referendo também para a desestatização da Cemig, mas foi modificado durante a tramitação na Assembleia.
Se a PEC for aprovada em segundo turno e promulgada, a privatização da Copasa poderá avançar rapidamente.
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